sexta-feira, junho 04, 2004

Nada.Um grande nada vazio e viscoso,como só o nada consegue ser.Perguntei-me a quanto tempo estaria lá, ou por mais quanto poderia permanecer.A espera, como sempre, era angustiante.
De repente avistei um vulto que se aproximava.Estaria sonhando?Não, sonhos não têm cheiro, e a característica mais marcante daquele momento era o perfume forte, embriagante, beirando o enjoativo, que envolvia todo o lugar, como se viesse da névoa.Senti toda a minha inspiração esvair-se, e decidi que nada mais poderia serfeito, senão preencher com clichés as pautas ansiosas de meu caderno de bolso.Abri-o, e senti que aquelas folhas me observavam, inquisidoras, conscientes de que seu destino era de minha total responsabilidade.Tive pena delas, tão inocentes, nas mãos de alguém que, definitivamente não as merecia.Tinha os olhos fechados quando pousei a caneta no papel pela primeira vez.Era como um cafajeste sujo, malandro de botequim, deflorando uma camponesa deslumbrada.Aquilo era nojento, porém irresistível.
As primeiras palavras saíram sofridas, tontas, sem rumo.Pouco a pouco, consegui decifrar algum sentido em meio áquele caos de letras, paixões e carnes imaginárias.Julgava-me louca em minha inexperiência, crente de que era a única a fabricar formas de vida independente através do papel e da tinta. Nunca redigi um só conto, poema ou ensaio: eles se manifestaram sozinhos, eu somente os escrevi. Era como mágica.E a mágica, como tinha de ser, foi-se um dia, sem aviso ou despedida.
Se deixou em mim essa lacuna vocacional, ao menos fez com que não alimentasse em mim, complexos de incompetência.Não se pode perder algo que jamais se possuiu.